Um dos grandes problemas que atinge sociedades imaturas é o constante desencontro entre o que pensam os especialistas e o que pensa a sociedade como um todo. Isso pode parecer algo simples, mas na verdade é uma complexidade quase que extrema, especialmente quando junta-se, ou está em meio ao problema, a visão meramente política das coisas.

Não há razões absolutas nesse meio, de um lado a sociedade quer a solução para seus problemas e, na sociedade imatura, isso tende mais à individualidade ou segmentação do que ao interesse coletivo de fato. Do outro lado, com boas e raras exceções, temos “especialistas profissionais”, que pela distância que têm da prática e da realidade, tendem a propor (às vezes até mesmo impor) supostas soluções que, via de regra, não fazem outra coisa que não seja apenas “embrulhar o problema para presente”. O resultado disso está aí a nossa volta, com aquilo que chamamos de “mutação dos problemas” no lugar das soluções. Falando em português mais claro, fazemos o mesmo, temos os mesmos resultados com “aparências diferentes”.

Disse tudo isso para expressar a minha perplexidade em relação ao crescimento dos adicionais de insalubridade e periculosidade. Nunca, nem nos melhores momentos da minha imaginação cheguei a pensar que continuaríamos seguindo na contramão da história, trabalhando não para eliminar ou pelo menos controlar riscos, e sim, para formalizá-los com pagamentos que, todos sabemos, em pouco tempo, nada mais significam – se há a ideia de punir aqueles que geram o risco. Parece que seguimos no Brasil desconhecendo a nossa capacidade de criar e resolver, que vem sendo trocada pela capacidade de permitir e pagar para que as coisas sigam como são.

IMPROVISO
Não há como desconhecer a importância dos adicionais quando são usados de forma provisória, até que uma solução seja encontrada e, ao mesmo tempo, como fator de motivação, para que se busquem soluções com empenho. Esbarra na eficácia disso o conceito de provisório de nossa cultura. Os adicionais por si não podem e nem devem ser soluções definitivas para a grande maioria das coisas – levando em conta nessa afirmação que sempre existirão situações que por sua natureza, e até inovação, serão gerenciadas com o uso deles. No entanto, utilizá-los de forma não criteriosa simplesmente faz com que sigamos sem resolver problemas.

Vejamos, por exemplo, o caso do adicional de periculosidade para aqueles que trabalham com motocicletas. Qualquer pessoa com um pouco mais de discernimento tem convicção de que se tornou insustentável a forma de trabalho que a maioria das organizações adota em relação aos motoboys e, muitas dessas organizações, estão entre aquelas que se intitulam responsáveis em muitos aspectos. Ao mesmo tempo, por toda sociedade, em nome de uma suposta comodidade e conforto, fazem de conta que não enxergam – em nome da pizza quente, do lanche com batatas crocantes e dos documentos que planejamos mal, agora expomos a vida alheia para cobrirmos nossas falhas.

DESCASO
Há também uma espécie de letargia em relação às práticas de ganhos atrelados a uma produtividade visivelmente letal e, a grande maioria das vezes, imoral, pelas terceirizações, já que do valor que pagamos pelas entregas uma parte muito pequena chega até o executante, ficando o resto para garantir o lucro dos atravessadores – que, aliás, segundo dizem – muitos deles não registram seus trabalhadores.

Simplesmente definir o adicional de periculosidade sem junto com ele definir medidas técnicas para fazer o que de fato interessa que é evitar a morte e a invalidez de tantas pessoas – a grande maioria jovens – é endossar que as mortes continuem. Não vamos a lugar algum como sociedade se não enfrentarmos de fato os problemas. O que vemos todos os dias nas ruas das grandes cidades brasileiras é uma legião de trabalhadores que se expõem e, mais do que isso, também expõem os outros, a acidentes que, as estatísticas demonstram, não param de crescer.

Em um país onde não se passa uma semana sem que alguém se refira a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) como algo antigo e que atravanca o crescimento, parece estranho que não existam vozes que digam o mesmo sobre esse tipo de retrocesso que, aos olhos do povo, pode parecer uma evolução, mas aos olhos dos especialistas práticos, nada mais é do que uma ilegítima forma de legalizar o que eticamente não pode ser normal.

Não se faz um Brasil moderno com avestruzes, enfiando a cara na terra e fazendo de conta que é assim mesmo.

Fonte: Revista Proteção

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